O post de hoje é um novo marco na história do Lurker's Realm - pela primeira vez, temos uma contribuição de alguém externo ao projecto. Neste caso, uma pessoa cuja opinião prezo e respeito, com quem tive já oportunidade de trabalhar e com quem muito aprendi. O artigo de opinião encerra em si duas temáticas que me parecem relevantes: a história da música nacional, e o contributo que as novas tecnologias - como os blogues - têm dado para a sua preservação. Parece-me que estamos no meio ideal para vos apresentar o que o Dico
pensa sobre o assunto, e creio que é um assunto de relevo para todas as sonoridades...
Memórias perdidas, memórias recuperadas
A febre revivalista quanto à música pesada feita em Portugal desde os seus primórdios, nos anos 70, começou por fim (seguindo a mesma tendência relativamente ao Rock Português, que tem no blogue “Rock em Portugal” a sua referência maior) a traduzir-se na recuperação/preservação sistemáticas e organizadas do imenso legado que bandas, fanzines e demais entidades underground ergueram ao longo do tempo.
Numa versão actualizada do tape-trading – que marcou os anos 80 e o início da década seguinte -, a troca de cassetes (áudio e VHS, não raras vezes incluindo espectáculos piratas e ensaios), de vinis e, nalguns casos, de CD’s há muito esquecidos passou a fazer-se através da mailing-list “Eighties Heavy Metal Hunters” e das controversas aplicações de partilha de ficheiros (muito úteis, admitamos sem hipocrisias, para divulgar obscuros registos de grupos amadores que muito beneficiam destas ferramentas de promoção gratuita).
Verdadeiras pérolas (quase) em bruto foram assim conquistadas à tirania do tempo, mostrando às novas gerações a fibra do Metal que há mais de um quarto de século se forja em terras lusas. Replay, o álbum dos Alkateya lançado em 2003 que reunia as três míticas demo-tapes gravadas pelo grupo lisboeta – Alkateya, Star Riders e Face to Face - impulsionou a tendência revivalista, ainda que de forma tímida. Na época, já o site “Música Portuguesa Anos 80”, abrangente q.b., prestava serviço público, disponibilizando informação biográfica de grupos e artistas rock/pop que marcaram a música nacional, bem como artigos - originais e já publicados -, numa perspectiva histórica.
Contudo, só nos últimos dois anos o interesse no património metaleiro nacional aumentou exponencialmente, manifestando-se na criação de vários blogues influentes. De pendor biográfico, “Heavy Metal Anos 80” e “A a Z do Metal Português” (este em preparação desde 2001 mas que só estaria disponível em Novembro de 2005, encontrando-se moribundo desde Março do ano seguinte), foram os primeiros do género a surgir, secundados por “A Necrópole dos Textos Perdidos” (que disponibiliza, na íntegra, o conteúdo de fanzines publicadas nos anos 80 e 90 em Portugal) e “Rock no Sótão”, ambos fundados em 2006.
No entanto, seria o blogue “PlayOnTape”, online desde Agosto desse ano, a reclamar para si o estatuto de pioneiro nacional de um formato já vulgarizado além-fronteiras: os blogues que disponibilizam para download gratuito maquetas e vinis antigos, já fora de circulação.
Apesar disso, é o blogue “Portugal Underground”, fundado em Novembro de 2006 que, em escassas semanas, se torna uma referência incontornável para os fãs que procuram conhecer bandas já extintas ou ainda no activo, proporcionando-lhes uma fabulosa viagem pela História da música pesada feita em território nacional. Diariamente actualizado, o blogue apresenta uma impressionante oferta de material raro.
Estatuto de culto semelhante mas efémero alcançaria o blogue “K7&Vinyl”, que chegou a disponibilizar singles, EP’s e LP’s raros, agora considerados objectos de colecção. Num ápice, também este blogue ganhou imensa popularidade, até que alguns (ex-)músicos e (ex-)responsáveis de editoras (a maior parte das quais já extintas) exigiram a retirada das gravações disponíveis.
Iniciava-se então uma nova era, com os responsáveis dos blogues do género a verem-se na contigência de pedir autorizações escritas expressas aos grupos/compositores e editoras para disponibilização dessas obras (mesmo sem se prever o relançamento comercial das mesmas ou o regresso ao activo das bandas), precavendo a hipotética interposição de processos legais.
Ao mesmo tempo, o blogue “80 de Rock” fazia história, lançando a compilação online com o mesmo nome. Abrangendo temas de 14 bandas nacionais num período temporal compreendido entre a década de 70 e a actualidade, o registo obteria um nível de exposição sem precedentes, motivando a preparação de um novo registo do género, Lusitanian Metal Assault, há muito aguardado, que irá englobar somente colectivos de Metal.
Momento igualmente marcante foi a criação da página “ThanatoSchizO's Videos”, no YouTube, por Guilhermino Martins, guitarrista dos ThanatoSchizO. Disponibilizando videoclips antigos e recentes de bandas nacionais, reportagens e actuações transmitidas nos canais portugueses de TV e imagens ao vivo de bandas lusas e estrangeiras em solo nacional, esta página constitui, pela sua riqueza de conteúdos, um documento essencial. E nem o MySpace escapa à tendência, com as magníficas páginas “Portugal Old School 80's” e “90’s” a disponibilizarem para download míticos temas do Metal luso.
Serve esta longa introdução para enfatizar - à semelhança do que muitos já fizeram noutros locais - a necessidade absoluta e urgente de as editoras portuguesas lançarem, em formato CD e MP3 – e porque não também em vinil - CD’s, LP’s, singles, EP’s, máxi-singles e até demo-tapes que marcaram indelevelmente a história da música portuguesa. Estas palavram servem, de igual forma, para expressar a mais absoluta incredulidade pelo facto de tal ainda não se ter verificado, mormente o interesse manifestado pelos melómanos nesses registos históricos.
Os direitos do riquíssimo fundo de catálogo de editoras já extintas (ou não) poderia muito bem ser adquirido (grande parte dele a valores acessíveis, estou convicto) pelos selos actuais, que obteriam assim uma oportunidade magnífica de lançar estas obras remasterizadas, com atractivos livretos incluindo fotos inéditas, liner-notes e outras curiosidades. Mais ainda, além das edições normais (em jewel-case), seriam bem acolhidas edições limitadas, em formatos como o digipack ou caixas para coleccionadores. Extras como posters, DVD’s com espectáculos, entrevistas, sessões de gravação e galerias de fotos seriam igualmente apetecíveis. Esta ideia serve também para as editoras que nem o próprio fundo de catálogo reeditam, privando os fãs de obter verdadeiras pérolas, quanto mais o de selos alheios.
Além de recuperar o investimento inicial com uma pequena margem de lucro, estariam a prestar um verdadeiro serviço público aos melómanos e simultaneamente a inviabilizar edições pirata de minúsculos e duvidosos selos como a Revenge of True Metal Records, que em 1993 lançou em CD o primeiro álbum dos Tarantula (originalmente editado em vinil há exactamente 20 anos), integrado na caixa Forgotten Metal - Collectors Series, limitada a 18 exemplares, e que incluía ainda álbuns dos Graven Image e Breaker.
É pena que, apesar de tudo, nesta matéria, como em tantas outras, as editoras continuem a imiscuír-se das suas obrigações para com o mercado, almejando o lucro desmedido acima de tudo e tenham de ser os referidos blogues a substituírem-se, na medida do possível, aos selos discográficos. Por paixão!
Mas já que falamos de música, e em particular do Metal nacional, para quando um livro sobre a história do som pesado feito na terra de Camões, à semelhança do que já existe versando o Rock? Dico