Quando se soube que Genesis P-Orridge não viria actuar com os Throbbing Gristle houve uma nuvem de ameaça de cancelamento naquela que seria uma excelente oportunidade de ver no nosso país um dos mais míticos colectivos deste lado da música Industrial. Felizmente que os restantes membros resolveram manter a actuação sob a denominação X-TG, o que se revelou uma decisão muito acertada.
Há qualquer coisa de mágico no experimentalismo sonoro. Já Boyd Rice dizia, numa entrevista que lhe fiz há alguns anos atrás, que para ele música de computador não fazia sentido. Apesar dos X-TG terem apresentado uma considerável parafernália informática, a manipulação sonora foi uma constante através dos mais variados e retorcidos equipamentos. Assim como a gente gosta.
O ambiente estava criado para uma excelente actuação, que não ficou em mãos alheias. Desfilando composições do reportório Throbbing Gristle, os X-TG ainda nos brindaram com uma música nova, a interpretação da primeira música por eles criada e alguns devaneios mais - como o próprio Peter Christopherson dizia, "nunca sabemos bem o que vai acontecer".
Não é bem possível descrever o que se sente quando se ouve e vê X-TG ao vivo - é preciso estar lá para sentir os harmónicos e frequências a baterem-nos no peito, a improvisação do martelanço num qualquer bizarro instrumento criado para fazer "aquele" som que é impossível de reproduzir novamente, a suave graciosidade de um trompete ou um grito mascarado por camadas de distorção. A única coisa que convém ser dita é que foi sublime, um momento quase-ritualista em que a história veio ter connosco e nos deu um valente murro nos queixos. Como diz o povo, "velhos são os trapos" - e os X-TG provaram-no no palco da Casa da Música.
Mas por muito bom que tenha sido o concerto de X-TG, na verdade estavamos lá era para ver Ulver. Surpresa - a actuação começava por volta das 3 da manhã. Não se percebe muito bem o porquê desta entrada tardia em cena, até porque o conceito
clubbing em que este evento estava inserido é precisamente o de existirem várias coisas a acontecer ao mesmo tempo para nos permitir circular por onde preferimos, mas não houve outro remédio que não fosse esperar para ver um dos mais geniais colectivos a emergir dos fiordes Noruegueses.
E quando finalmente Garm e companhia subiram ao palco, percebeu-se o porquê da expectativa. Abrindo com a abertura (passe o pleonasmo) de "
Shadows From The Sun" e desfilando durante cerca de 1 hora composições de "
Perdition City" para a frente (o passado está definitivamente enterrado, para o bem e para o mal), os momentos de intensidade inigualável estavam lá todos, com grandes temas uns a seguir aos outros.
A passagem pela banda sonora de "
Svidd Neger" foi talvez um dos momentos menos esperados da noite, ao contrário de "
For The Love Of God" do genial "
Blood Inside" ou "
Operator". De referir também as passagens pelos trabalhos "
A Quick Fix Of Melancholy" e "
Teaching In Silence", demonstrando - se ainda fosse necessário - a incrível diversidade e multi-facetismo dos Ulver.
Talvez a sua mais impressionante faceta seja a capacidade de começar uma música com um simples acorde ou ritmo na bateria, complementá-la com camadas sonoras que se vão acumulando ao mesmo tempo que a intensidade vai crescendo, até ao clímax traduzido numa explosão de cacofonia sonora apenas ao alcance dos predestinados. Aqui tem especial destaque a electrónica acrescentada pelos teclados, computadores e sintetizadores que compõem uma das bases em que a música dos Ulver assenta - não demasiada ostensiva, mas omnipresente e capaz de fazer a diferença.
Claro que uma actuação de Ulver não pode ficar completa sem a componente visual. Numa enorme tela foram passados os vídeos que funcionam como elemento fulcral de cada uma das músicas. Desde a Natureza selvagem de "
Shadows From The Sun", passando pela ideologia fascista e polémica sexual de "
Blood Inside" e terminando na perturbadora "
Not Saved", com a imagem de uma criança vestida de branco sobre um fundo branco a fitar-nos directamente nos olhos - foi possível observar mais do que uma cara a afastar os olhos da tela, por não conseguir fitar aqueles olhos penetrantes.
Na verdade, os Ulver funcionam como um todo. Têm a virtude de cada um dos elementos individuais ser extraordinário, mas o que realmente lhes proporciona o factor de diferença face aos seus pares é a capacidade de agarrarem nesses elementos e tornarem o todo com eles criado maior do que o somatório de cada componente individual.
Desculpem-me todos os que não puderam ir, mas este foi um concerto extraordinário, daqueles que fica na memória para a vida. Julguei que nunca os conseguiria ver, mas felizmente enganei-me. Só espero poder repetir a experiência no futuro.
P.S.: Obrigado ao André Henriques pelas fotos de Ulver, bem melhores do que as minhas - como é normal, aliás. :)