UM CÍRCULO DE INSPIRAÇÃO SEM FIM
Os Joy Of Nature são um dos melhores representantes nacionais de uma sonoridade que podemos traçar algures entre o Folk e o Psicadélico. Em 2008 deu-se início a uma trilogia, que este ano vê o segundo capítulo sair para os escaparates. Mais do que bons motivos para falarmos com Luís Couto, mentor do projecto e um músico com inspiração aparentemente sem limites.
Antes de mais, uma pergunta obrigatória: qual é a sensação depois de teres finalmente o novo disco cá fora?
Este foi o disco que, até agora, mais tempo me tomou. Além disso, foi de concepção muito difícil e uma série de problemas, a vários níveis, marcaram o processo. A sensação é apenas de finalmente tê-lo concretizado.
Agora que vês o trabalho final editado, corresponde às tuas expectativas?
É muito difícil, senão mesmo impossível, que o trabalho concluído corresponda ao que foi idealizado. Mas não está assim tão longe do que foi primeiramente pensado, apesar de ter tomado direcções inicialmente não previstas.
Regressando um pouco atrás, porquê o conceito desta trilogia? O que pretendes transmitir com os 3 discos de “The Empty Circle”?
O que está no centro desta trilogia é o círculo vazio, símbolo e imagem muito poderosa. A concepção de ilusão que surge em diversos textos hindus e que foi perpetuada com o budismo sempre foi a que desde criança tive, antes sequer de saber que religiões existiriam no extremo-oriente. O círculo vazio é símbolo do incondicionado, que é também o estado de iluminação, atingido por muito poucos.
No entanto, esta trilogia é como uma observação das ilusões a partir da própria ilusão. A primeira parte é um olhar sobre os acontecimentos que constituem uma vida, comparando-os a um guião de uma peça de teatro. A segunda é sobre a herança dos nossos ancestrais e da necessidade de não se perder a tradição, de mantê-la viva. A terceira é sobre a impermanência de tudo na vida.
A forma como tudo isto se encaixa e conjuga é algo que a música, mais do que palavras, saberá transmitir.
Este disco marca também uma inflexão na corrente anglo-saxónica que tens vindo a seguir, apresentando um subtítulo em Português, assim como o nome das faixas. Porque achaste que nesta altura tinhas que seguir um caminho escrito na nossa língua?
Acima de tudo, o conceito do disco assim o exigia. Sendo um disco com um tema relacionado com a herança dos nossos ancestrais, não fazia sentido fazê-lo noutra língua, apesar de assim se tornar menos compreensível para uma boa parte do seu público. Em The Joy of Nature, no entanto, vários línguas têm aparecido além do inglês e português: sânscrito, alemão, latim. E isto acontece porque determinadas línguas expressam melhor determinadas coisas.
Existe um conceito inerente a este trabalho, a nível sonoro ou lírico? Podes explicar-nos um pouco mais sobre esse conceito?
Há mais a sentir do que a explicar. Quem ouvir as músicas e percorrer o booklet do CD terá a sua percepção do trabalho.
Fala-nos um pouco sobre as músicas que fazem parte deste trabalho – como foi o processo de composição? Já tinhas as ideias alinhadas desde o disco anterior, ou foi um disco que se foi escrevendo a si próprio?
Os temas para os 3 discos da trilogia começaram a ser compostos e gravados na mesma altura e foram sendo divididos pelos diferentes discos à medida que iam ganhando forma e que o conceito de cada parte da trilogia se ia tornando mais claro. Houve alturas em que houve uma concentração numa parte específica da trilogia. Com o tempo, o alinhamento dos discos foi mudando. Este disco foi inicialmente pensado como a primeira parte da trilogia, mas os trabalhos vão enriquecendo e, por vezes, alteram-se as suas formas.
Escolheste também 3 faixas tradicionais para versões neste disco. Porquê a escolha destas 3 faixas em particular?
"Tanchão" é um tradicional açoriano cuja letra (desta versão, porque há imensas variantes do tema) sempre me causou uma forte impressão. "Ó Menino Ó" foi uma canção que me mostraram em 2006 e que imediatamente me atraiu; algumas canções de adormecer, como esta, têm letras com enigmas simples e extremamente interessantes. A "Senhora do Almortão" surgiu por causa da letra, mas também pelas impressões recolhidas in loco em aldeias pouco conhecidas da Beira Baixa. As três contêm elementos tradicionais muito importantes e essa é a principal razão para a sua inclusão.
A nossa tradição e folclore ancestrais são uma grande fonte de inspiração para ti?
SIm, mas considerando o folclore como fonte de elementos tradicionais.
A tradição é uma só, apesar de se revestir de formas diferentes para cada povo. A tradição de um povo adequa-se às suas condições próprias de existência e permite uma compreensão da sua própria condição, por menos visível que se tenha tornado.
Podemos dizer que são uma das inspirações por detrás deste trabalho? Quais são as outras?
Sim, sem dúvida que foram e, durante o tempo da sua realização, foram feitas várias recolhas etnográficas, sonoras e visuais. Algumas foram usadas no trabalho final. Fora isso, tudo aquilo que vai acontecendo na vida de um indivíduo, tudo aquilo que ele vai absorvendo – filmes, livros, discos – podem inspirar, mesmo que de forma indirecta.
Lembras-te ainda das razões que te levaram a criar música? Qual foi a faísca que acendeu essa chama que arde vigorosamente até hoje?
Com 11 ou 12 anos de idade, pouco depois de ter começado a tocar orgão, comecei a compôr os primeiros rascunhos: muito rapidamente me fartei de de tocar músicas de outros. Daí até compôr e gravar temas com princípio, meio e fim foi um processo longo.
Há vezes em que me interrogo sobre o que terá acendido essa faísca. A música, desde muito cedo, tem sido algo muito importante na minha vida, seja como ouvinte ou como criador.
O facto de seres Açoriano tem alguma relevância na música que crias? Usas a beleza natural do que te rodeia como fonte de inspiração, ou criarias a mesma música em qualquer outro local?
A paisagem das ilhas açorianas é recente e fruto de cataclismos naturais, o que sublinha o carácter transitório, não só da beleza, como de todas as coisas. É difícil disassociar a beleza natural das ilhas das destruições a que ela deram lugar. A beleza tem a sua origem no desequilíbrio.
A ilha acaba por ser uma parte de mim que levo para qualquer lado. Os três discos desta trilogia foram compostos e gravados tanto na ilha de São Miguel como em Leiria.
Regressando novamente a este novo disco, recorreste a algumas colaborações de artistas convidados. Foi uma questão de necessidade ou de vontade? E porquê estas pessoas em particular?
Foi uma questão de vontade e de se proporcionar. Foram convidadas pessoas que eu sabia que iriam adicionar algo ao disco. Só faz sentido ter convidados que acrescentem algo ao trabalho.
Uma das participações que despertou a minha atenção foi a de membros de Sangre Cavallum. Reconheces alguma afinidade entre ambos os projectos?
Existem algumas afinidades entre ambos os projectos. De contrário, não teria sido possível esta colaboração. Mas apesar das afinidades, são projectos conceptualmente bastante diferentes.
Que outros projectos a nível nacional te despertam interesse? Podemos falar de um movimento Folk nacional em ascensão?
Oiço mais recolhas etnográficas do que propriamente projectos Folk nacionais. Gosto bastante do que os Gaiteiros de Lisboa têm feito, mas já é um projecto com algum tempo.
Não faço mesmo ideia se haverá sequer um movimento Folk nacional.
Reparei também que fazes questão em não limitar Joy Of Nature ao mundo Folk, o que é também notório na tua música. Achas que essa etiqueta seria limitativa em relação à música que fazes?
Sim, seria limitativa, porque apesar de a Folk marcar frequentemente a sua presença, há uma estrutura e uma forma de compor mais próxima do psicadélico; várias vezes também aparece o interesse por música medieval e clássica; e não é também de menosprezar a influência que o que ouvímos na adolescência ainda exerce sobre nós, mesmo que de forma inadvertida.
Com o primeiro volume desta série iniciaste uma colaboração com a Ahnstern, uma das principais editoras deste estilo – estás satisfeito com o trabalho deles até ao momento?
A relação com as editoras é algo de que não falo publicamente. É algo do âmbito privado.
Até onde queres chegar com este disco? Algum objectivo particular que queiras concretizar?
O objectivo é sempre despertar qualquer coisa nas outras pessoas, mesmo sabendo que diferentes pessoas o sentirão à sua maneira. Este disco não é excepção.
Fazes música para ti ou para ser ouvida por outros?
Se fizesse música apenas para mim, não me daria ao trabalho de passar várias horas a misturar os temas ou a masterizá-los. Nem sequer faria sentido editar discos...
És também um compositor extremamente profícuo, para além de Joy Of Nature – Teatro Grotesco, Aquarelle, Moving Coil, Post Crash High são alguns dos teus projectos paralelos. Podes falar-nos um pouco sobre eles?
aquarelle é uma evolução de Moving Coil. Foram dois projectos que existiram principalmente entre 1999 e 2004, muito mais direccionados para sons "independentes", sendo também mais introspectivos e intimistas. Fez sentido fazer uma compilação destes dois projectos este ano porque muitos temas tiveram os arranjos alterados; foi possível este ano aproximar-me mais do que queria fazer na altura e sempre ficou a sensação de que tinha ficado algo por fazer.
Post Crash High surgiu em 2005 e continua como Teatro Grotesco. Em termos sonoros são principalmente usados instrumentos eléctricos e electrónicos, o que faz todo o sentido porque são um olhar para fora, para uma civilização que agoniza.
Porquê a necessidade de tantos projectos paralelos? Há assim tanta música a fluir na tua cabeça ao mesmo tempo, ou são reflexo de um determinado contexto / período temporal?
Cada projecto tem a sua própria identidade, o seu próprio conceito. Com o tempo, alguns deixam de fazer sentido. Outros simplesmente mudam, nem que seja de nome. Agora é tempo de não utilizar tantas máscaras.
Só este ano tiveste um volume de lançamentos notável – como consegues ter uma proficuidade de trabalho tão alta?
Sacrificando outras vertentes da vida. Também é preciso notar que há anos em que se compõe e grava muito, mas não se chega a terminar nenhum trabalho (caso de 2007) ou se termina pouca coisa (como foi em 2006). E há depois anos em que nos vemos com uma série de discos prontos, como foi este.
Uma pergunta provocatória: se só pudesses salvar um título de todos os que lançaste até ao momento, qual seria?
É uma daquelas questões que não tem resposta, porque a cada disco estão associadas memórias pessoais. Mas a escolha recaíria sobre um dos trabalhos mais recentes.
Continuam todos estes projectos activos, ou alguns são já capítulos encerrados?
Post Crash High e Moving Coil são projectos encerrados. aquarelle, em princípio, é também um projecto encerrado. Há coisas que, eventualmente, poderia voltar a assinar como aquarelle, mas a dispersão por muitos projectos diferentes traz uma série de inconvenientes. Parece-me preferível concentrar o trabalho a solo apenas em dois projectos: The Joy of Nature e Teatro Grotesco, mesmo arriscando algum ecletismo.
Que outros lançamentos estás já a preparar, dos quais nos possas adiantar algo?
A terceira parte da trilogia "The Empty Circle" está praticamente pronta: faltam as misturas finais e a masterização, mas como o disco só deverá ser lançado daqui a um ano, é muito possível que venham a ocorrer outras modificações. É novamente um disco com alguns convidados, desta vez estrangeiros, que muito contribuíram para o disco.
Há também outros dois discos de The Joy of Nature a serem preparados, mas não muito adiantados. Num deles estão a ser concretizadas algumas ideias antigas, como misturar música e declamação de poesia.
Também há vários temas inéditos de Teatro Grotesco prontos.
Tudo isto terá o seu tempo de sair, seja daqui a um, dois ou três anos.
Claro que um dos mais aguardados será a conclusão da trilogia “The Empty Circle” – já tem data de lançamento marcada? E quanto ao conceito, podes adiantar-nos algo?
Ainda não há data de lançamento marcada para a última parte da trilogia, mas o seu lançamento só deverá ocorrer a partir do segundo semestre do próximo ano. É um disco sobre a impermanência, mais oriental que os dois anteriores.
Pesem todos os lançamentos, actuações ao vivo é algo de que nunca ouvi falar – faz parte do teu plano levar este novo disco para o palco?
Não me vejo tanto como intérprete, mas mais como compositor, daí que as actuações ao vivo não tenham sido até agora uma prioridade. Também há dificuldades de várias ordens para levar The Joy of Nature ao vivo com a qualidade desejada. Ainda assim, é bastante possível que The Joy of Nature venha a actuar ao vivo no próximo ano.
Quais seriam para ti os parceiros perfeitos para um concerto de Joy Of Nature? Com quem gostarias de partilhar um palco?
Há uma série de artistas com quem gostaria de partilhar um palco e destacar uns poucos seria injusto para os outros.
Mudaste recentemente o logótipo de Joy Of Nature, para o símbolo hermético do sol – porquê esta mudança? Achas que este novo símbolo representa melhor o que é o projecto actualmente?
Havia um certo mal-estar com o logótipo anterior, devido aos símbolos utilizados. Os símbolos podem operar sobre nós a um nível subtil, mas raramente disso nos apercebemos. E o mesmo símbolo tem vários significados, alguns dos quais não são encontrados em livros. Ao conjugar dois símbolos diferentes há que ter em conta que as relações estabelecidas entre ambos podem revelar-se imprevistas.
A alteração para o símbolo hermético do sol foi quase intuitiva. Era simplesmente o símbolo que fazia sentido, um símbolo de estabilidade.
Qual é para ti o grande objectivo no futuro? Como vês a tua carreira e a tua música daqui a alguns anos?
Não há um grande objectivo para o futuro, nem faz sentido falar da música como uma carreira. A música irá seguir o caminho que fizer sentido.
Lurker
[Websites: http://joyofnature.221design.com/ | http://www.myspace.com/thejoyofnature ]