[ANÁLISE] Brendan Perry - "Ark" [CD - 2010]
Ark [CD]
Cooking Vynil
Deve ser das coisas mais ingratas para um músico, criar sob uma denominação mas ser constantemente associado a outra. Sem ter a experiência, calculo que seja algo como um misto de orgulho e estigma, mas talvez seja melhor perguntar a Brendan Perry como é que ele vive esse sentimento ao não conseguir desligar o seu trabalho a solo da sua carreira passada com os Dead Can Dance. É quase ingrato estar constantemente a referir esse passado, não fossem duas razões: é talvez uma das maiores instituições da Música das últimas décadas, e isso acontece apenas ocasionalmente na História (seria autismo não o reconhecer); e este novo disco a solo, "Ark".
Este é o trabalho em nome próprio de Brendan que mais se aproxima do seu legado com DCD (e prometo que é a última vez que falo deles nesta análise), quer a nível sonoro quer a nível conceptual / espiritual. É um disco muito alicercado nos ambientes criados pelos teclados e sintetizadores, e isso explica o sentimento global que "Ark" deixa ficar no ouvinte (quem os viu na recente passagem por Portugal pôde constatar que existem dois teclistas no alinhamento, embora um deles apenas em part-time). Sonoridades etéreas, sonhadoras, que nos transportam facilmente para um mundo diferente e que Brendan cria particularmente para apresentar a sua música. Resulta na perfeição, porque a partir do momento em que colocamos os auriculares e carregamos em play, a viagem só acaba quase 1 hora depois.
Mas não é só de ambiente que o disco vive, bem pelo contrário. A sua principal força reside nas canções, composições complexas que se baseiam na ambiência mas que lhe acrescentam uma camada de percussão extremamente sólida (como os alicerces que evitam que a sonoridade se perca no éter), elementos eléctricos e acústicos dependendo do que a música em questão peça, e algumas incursões mais eclécticas - por exemplo, nos elementos orientais, trip-hop ou electrónicos que povoam algumas passagens de várias músicas. É um disco que requer várias audições para ser absorvido, onde vamos descobrindo, camada após camada de som, detalhes deliciosos que fazem toda a diferença, e que cresce connosco a cada vez que roda no leitor. Como um vício, acabamos sempre por voltar para mais uma rodada.
Mas o melhor ficou para o fim. Se repararam, ainda não se referiu a participação particular de Brendan Perry num disco lançado com o seu nome, mas foi intencional. "Ark" seria inclusive um bom disco instrumental, mas é a voz que o transporta para um nível superior. Aquela voz inconfundível de Brendan, num timbre, colocação e - acima de tudo - carga emotiva que consegue transferir para o ouvinte, esse "pormaior" é o que distingue este disco dos demais e o coloca num patamar qualitativo muito alto. Letras incisivas, focando temas sociais prementes como a guerra (logo na abertura "Babylon" ou mais tarde em "This Boy") e a política (numa crítica fantástica em "The Bogus Man"), e deixando espaço para interpretações verdadeiramente sentidas e notáveis (como em "Wintersun", talvez um dos pontos altos do disco), virtualmente todas as faixas têm algo que nos prende a atenção de forma particular.
Brendan Perry é já um mito vivo, mas não precisa de ser "assombrado" pelo seu passado - a sua carreira a solo é mais do que impressionante, e "Ark" é um disco fantástico que merece todo o destaque e atenção que lhe deve ser dado. Arriscaria a dizer que será talvez um dos melhores trabalhos que Brendan editou, e isso - como é fácil de perceber - é algo que não se pode dizer de ânimo leve. "Ark" merece-o.
Lurker
Cooking Vynil
Deve ser das coisas mais ingratas para um músico, criar sob uma denominação mas ser constantemente associado a outra. Sem ter a experiência, calculo que seja algo como um misto de orgulho e estigma, mas talvez seja melhor perguntar a Brendan Perry como é que ele vive esse sentimento ao não conseguir desligar o seu trabalho a solo da sua carreira passada com os Dead Can Dance. É quase ingrato estar constantemente a referir esse passado, não fossem duas razões: é talvez uma das maiores instituições da Música das últimas décadas, e isso acontece apenas ocasionalmente na História (seria autismo não o reconhecer); e este novo disco a solo, "Ark".
Este é o trabalho em nome próprio de Brendan que mais se aproxima do seu legado com DCD (e prometo que é a última vez que falo deles nesta análise), quer a nível sonoro quer a nível conceptual / espiritual. É um disco muito alicercado nos ambientes criados pelos teclados e sintetizadores, e isso explica o sentimento global que "Ark" deixa ficar no ouvinte (quem os viu na recente passagem por Portugal pôde constatar que existem dois teclistas no alinhamento, embora um deles apenas em part-time). Sonoridades etéreas, sonhadoras, que nos transportam facilmente para um mundo diferente e que Brendan cria particularmente para apresentar a sua música. Resulta na perfeição, porque a partir do momento em que colocamos os auriculares e carregamos em play, a viagem só acaba quase 1 hora depois.
Mas não é só de ambiente que o disco vive, bem pelo contrário. A sua principal força reside nas canções, composições complexas que se baseiam na ambiência mas que lhe acrescentam uma camada de percussão extremamente sólida (como os alicerces que evitam que a sonoridade se perca no éter), elementos eléctricos e acústicos dependendo do que a música em questão peça, e algumas incursões mais eclécticas - por exemplo, nos elementos orientais, trip-hop ou electrónicos que povoam algumas passagens de várias músicas. É um disco que requer várias audições para ser absorvido, onde vamos descobrindo, camada após camada de som, detalhes deliciosos que fazem toda a diferença, e que cresce connosco a cada vez que roda no leitor. Como um vício, acabamos sempre por voltar para mais uma rodada.
Mas o melhor ficou para o fim. Se repararam, ainda não se referiu a participação particular de Brendan Perry num disco lançado com o seu nome, mas foi intencional. "Ark" seria inclusive um bom disco instrumental, mas é a voz que o transporta para um nível superior. Aquela voz inconfundível de Brendan, num timbre, colocação e - acima de tudo - carga emotiva que consegue transferir para o ouvinte, esse "pormaior" é o que distingue este disco dos demais e o coloca num patamar qualitativo muito alto. Letras incisivas, focando temas sociais prementes como a guerra (logo na abertura "Babylon" ou mais tarde em "This Boy") e a política (numa crítica fantástica em "The Bogus Man"), e deixando espaço para interpretações verdadeiramente sentidas e notáveis (como em "Wintersun", talvez um dos pontos altos do disco), virtualmente todas as faixas têm algo que nos prende a atenção de forma particular.
Brendan Perry é já um mito vivo, mas não precisa de ser "assombrado" pelo seu passado - a sua carreira a solo é mais do que impressionante, e "Ark" é um disco fantástico que merece todo o destaque e atenção que lhe deve ser dado. Arriscaria a dizer que será talvez um dos melhores trabalhos que Brendan editou, e isso - como é fácil de perceber - é algo que não se pode dizer de ânimo leve. "Ark" merece-o.
Lurker
4 comentários:
Até agora, disco do ano! A "Wintersun" é viciante e muito bonita.
Este ano vai ser muito complicado em termos de escolha, parece-me... Com discos novos de Blood Axis, Dernière Volonté, Von Thronstahl, Ataraxia, entre outros, a competição vai ser renhida. :)
Mas é sem dúvida um dos melhores discos do ano, continuo viciado nele e continuo a descobrir alguma coisa diferente a cada audição. É refrescante quando um disco nos consegue prender tanto tempo, numa altura de "fast-food-music" como esta que vivemos...
Ainda não ouvi nenhum dos outros, infelizmente :(
Valem bem a pena, mas este ano está a ser extraordinário em termos de lançamentos - chegou-me na última semana o novo de Allerseelen, outro disco muito esperado deste lado, vamos ver quão bom está.
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