[ANÁLISE] Aires Ferreira - "Ruína" [álbum - 2010]
Ruína [álbum]
Sanatório Productions
O género spoken word não é dos mais profícuos no nosso país (ou por esse mundo fora, já agora), com algumas honrosas excepções e - na sua grande maioria - sempre dotadas de uma grande qualidade. É um género onde claramente a qualidade tem primazia sobre a quantidade, e mais deveriam seguir esta máxima. E no meio dessa já alta qualidade, há um nome que repetidamente emerge e se destaca - Aires Ferreira. O artista portuense tem construído uma carreira ímpar de lançamentos incontornáveis, quer no formato escrito quer no formato audiovisual. Desde 2009 que tem lançado alguns "aperitivos" para o longa-duração "Ruína", finalmente agora editado, e que não tem parado de rodar deste lado desde o momento do seu lançamento.
"Est" abre as hostilidades deste disco com uma apresentação do artista para quem não o conhece. Há várias faixas muito introspectivas neste disco, mas esta abertura despe Aires para todos os poderem ver no seu esplendor - acutilante, mordaz, directo (como ele próprio diz, "poeta") e com uma secção instrumental à altura de cativar a atenção dos ouvintes incautos. Verdadeiro mestre de cerimónias, assina ao longo destas 12 faixas momentos verdadeiramente impressionantes - como em "Danças", onde o lado melancólico e quase romântico de Aires faz a sua aparição, em "Carpe Diem O Caralho Que Te Foda", onde temos um diálogo entre várias personagens interpretadas na perfeição, ou em "O Pato", onde a loucura aparece de mãos dadas com um experimentalismo que nunca escapa ao controle.
Talvez o aspecto que mais distingue Aires dos seus "pares" é o extraordinário espectro vocal que a sua interpretação particular de spoken word consegue atingir. Sempre evitando o monocórdio, alarga-se entre sílabas disparadas à velocidade da luz, momentos quase cantados, rima e prosa, sofrimento, gritaria - toda uma parafernália de sentimentos que consegue passar pela vária entoação e emoção que coloca nas palavras que nos atira. Para quem o viu ao vivo isto não é surpresa, já que é no palco que este "animal" ganha uma vida própria e se torna uma entidade aparte de tudo o resto. A voz é também um instrumento, e Aires um virtuoso no seu manuseamento.
O talento de Aires Ferreira para as palavras é impressionante, mas isso já não seria novidade. Onde "Ruína" ganha uma dimensão superior é na musicalidade que o torna melhor do que já seria sem ela. Instrumentos como o baixo, a guitarra e a bateria adicionam profundidade às faixas, quer como quase banda completa (como em "Fundo", com um sentimento quase Black Metal de qualidade superior) quer com a simplicidade do acompanhamento a solo (como no caso do baixo em "Bloco de Assofrimentos"). Mesmo no devaneio mais profundo do disco - o referido "O Pato" - a bateria complementa na perfeição o sentimento de quase-loucura que Aires pretende passar. Temos ainda direito a "Arcanus", uma faixa puramente instrumental, como um tributo ao papel essencial que desempenha a música neste disco. O protagonismo está sempre na voz, mas a instrumentação é o que torna este disco equilibrado e torna a audição repetida um prazer incontornável.
Como se tudo isto ainda não fosse suficiente, o disco está disponível gratuitamente para download no site da Sanatório. A casa apropriada para Aires Ferreira, sem dúvida, mas um trabalho desta qualidade grita por uma edição física especial para se tornar um disco de culto no panorama nacional. De qualquer forma, não há desculpas para todos poderem apreciar o que será porventura um dos discos do ano e a prova cabal que em Portugal cria-se tão bem ou melhor do que em qualquer outro lado. Arruinem-se neste disco, já que depois de o começarem a ouvir será o cabo dos trabalhos parar. Obrigado Aires, por mais esta pérola. Agora desculpem-me, vou voltar para a "Ruína".
Lurker
Sanatório Productions
O género spoken word não é dos mais profícuos no nosso país (ou por esse mundo fora, já agora), com algumas honrosas excepções e - na sua grande maioria - sempre dotadas de uma grande qualidade. É um género onde claramente a qualidade tem primazia sobre a quantidade, e mais deveriam seguir esta máxima. E no meio dessa já alta qualidade, há um nome que repetidamente emerge e se destaca - Aires Ferreira. O artista portuense tem construído uma carreira ímpar de lançamentos incontornáveis, quer no formato escrito quer no formato audiovisual. Desde 2009 que tem lançado alguns "aperitivos" para o longa-duração "Ruína", finalmente agora editado, e que não tem parado de rodar deste lado desde o momento do seu lançamento.
"Est" abre as hostilidades deste disco com uma apresentação do artista para quem não o conhece. Há várias faixas muito introspectivas neste disco, mas esta abertura despe Aires para todos os poderem ver no seu esplendor - acutilante, mordaz, directo (como ele próprio diz, "poeta") e com uma secção instrumental à altura de cativar a atenção dos ouvintes incautos. Verdadeiro mestre de cerimónias, assina ao longo destas 12 faixas momentos verdadeiramente impressionantes - como em "Danças", onde o lado melancólico e quase romântico de Aires faz a sua aparição, em "Carpe Diem O Caralho Que Te Foda", onde temos um diálogo entre várias personagens interpretadas na perfeição, ou em "O Pato", onde a loucura aparece de mãos dadas com um experimentalismo que nunca escapa ao controle.
Talvez o aspecto que mais distingue Aires dos seus "pares" é o extraordinário espectro vocal que a sua interpretação particular de spoken word consegue atingir. Sempre evitando o monocórdio, alarga-se entre sílabas disparadas à velocidade da luz, momentos quase cantados, rima e prosa, sofrimento, gritaria - toda uma parafernália de sentimentos que consegue passar pela vária entoação e emoção que coloca nas palavras que nos atira. Para quem o viu ao vivo isto não é surpresa, já que é no palco que este "animal" ganha uma vida própria e se torna uma entidade aparte de tudo o resto. A voz é também um instrumento, e Aires um virtuoso no seu manuseamento.
O talento de Aires Ferreira para as palavras é impressionante, mas isso já não seria novidade. Onde "Ruína" ganha uma dimensão superior é na musicalidade que o torna melhor do que já seria sem ela. Instrumentos como o baixo, a guitarra e a bateria adicionam profundidade às faixas, quer como quase banda completa (como em "Fundo", com um sentimento quase Black Metal de qualidade superior) quer com a simplicidade do acompanhamento a solo (como no caso do baixo em "Bloco de Assofrimentos"). Mesmo no devaneio mais profundo do disco - o referido "O Pato" - a bateria complementa na perfeição o sentimento de quase-loucura que Aires pretende passar. Temos ainda direito a "Arcanus", uma faixa puramente instrumental, como um tributo ao papel essencial que desempenha a música neste disco. O protagonismo está sempre na voz, mas a instrumentação é o que torna este disco equilibrado e torna a audição repetida um prazer incontornável.
Como se tudo isto ainda não fosse suficiente, o disco está disponível gratuitamente para download no site da Sanatório. A casa apropriada para Aires Ferreira, sem dúvida, mas um trabalho desta qualidade grita por uma edição física especial para se tornar um disco de culto no panorama nacional. De qualquer forma, não há desculpas para todos poderem apreciar o que será porventura um dos discos do ano e a prova cabal que em Portugal cria-se tão bem ou melhor do que em qualquer outro lado. Arruinem-se neste disco, já que depois de o começarem a ouvir será o cabo dos trabalhos parar. Obrigado Aires, por mais esta pérola. Agora desculpem-me, vou voltar para a "Ruína".
Lurker
2 comentários:
procurei mas não encontrei nenhuma ligação no Sanatório...
Podes descarregar directamente aqui: http://www.sanatorioprod.com/AiresFerreiraRuina2010.rar
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