Depois de uma pausa mais longa do que o habitual, sabe bem voltar a estas lides e recomeçar a escrever sobre a música que mais gostamos. E nada melhor do que voltar no mesmo tom em que tínhamos ficado, ou seja, falar um pouco sobre o
Festival Entremuralhas. Mais uma edição se passou, mais um excelente festival fica na memória. Como sempre, parabéns à
Fade In pela extraordinária organização que nos proporciona todos os anos.
No primeiro dia do festival, em tom de aquecimento, coube aos
Ermo o privilégio de inaugurar esta edição do festival. E dificilmente a escolha poderia ter sido mais acertada. Os Ermo já não são uma promessa mas uma certeza firme do panorama musical nacional, e de
monstraram-no no Palco Corpo uma vez mais. Um duo dinâmico, compenetrado mas emotivo e interactivo, fizeram desfilar um belo conjunto de temas já conhecidos assim como nos deram a conhecer vários momentos altos do próximo disco "Amor X Quatro". Um dos concertos mais aguardados deste lado e que não defraudou nenhuma das altas expectativas.
Os
Uni Form completaram o contingente nacional do festival com um concerto bem conseguido, mostrando coesão e um bom conjunto de belas músicas. Há qualquer coisa que falta no registo vocal, sendo uma daquelas situações em que se adora ou se odeia. Nada a apontar a nível de composição a uma banda que já tem um bom historial e que se prepara para lançar um novo disco, mas falta o tempero necessário para permitir aos Uni Form outros voos.
O dia seguinte iniciou com um dos concertos mais aguardados, o regresso do mestre
Andrew King ao nosso país. Quem não o conhece não sabe o que perde, e ficamos sempre agradavelmente surpreendidos com a dimensão e profundidade das músicas que Andrew interpreta. Apresentou-se na Igreja da Pena acompanhado de dois nomes grandes (John Murphy e Hunter Barr) e desfilou um excelente conjunto de temas, desde mais antigos até ao mais recente lançamento comemorativo do centenário da I Guerra Mundial. Uns pequenos problemas técnicos no início da actuação não tiraram mérito ao que foi sem dúvida um dos concertos do festival.
Os
Noi Kabat eram desconhecidos de muitas pessoas que passaram pela Igreja da Pena, mas deixaram ficar uma forte imagem de qualidade e ritmo a uma actuação cheia de energia. Sempre muito alinhados com uma estética metrossexual, o duo radicado em Inglaterra mostrou que sabe criar boas músicas e movimentar uma audiência. Fica a vontade de os conhecer em maior pormenor.
Depois de uma pausa para jantar, os
Oniric subiram ao Palco Alma para provar (uma vez mais) que há qualquer coisa em Itália diferente de tudo o resto. A gigantesca quantidade de bandas de qualidade superior e de sonoridade característica oriundas do país da bota é absolutamente impressionante, e este colectivo merecia também a estreia em terras lusas. Com dois excelentes discos na bagagem, passaram alguns dos seus melhores momentos em Leiria, numa actuação intensa e melancólica, reflexo directo da sua sonoridade. Esperamos que tenha sido apenas a primeira vez de muitas.
Apesar de ser uma afirmação polémica, mantenho-a: os
Parzival deram o melhor concerto de todo o festival! Muitas pessoas ficaram desapontadas com o evidente
playback a nível vocal do colectivo Russo radicado na Dinamarca, mas ouvindo Dimitri na sua voz natural e nas vocalizações que imprime nos diferentes discos torna-se claro que reproduzi-las ao vivo seria tarefa impossível (o grave característico nos disco contrasta com um agudo quase estridente da sua voz natural). Mas o que realmente fez a diferença foi a força com que as músicas desfilaram, numa qualidade sonora imaculada tornando o concerto absolutamente épico. Passando extensivamente por "
Casta" (o mais recente trabalho) e indo percorrer alguns dos melhores momentos dos outros discos anteriores, foi impossível não cantar em conjunto e gritar as palavras de ordem das suas composições. Um concerto mágico que ficará para sempre na memória.
O dia seguinte iniciou com outro dos momentos mais esperados, o regresso de Gerhard Hallstatt a Portugal ao leme do projecto
Allerseelen. Mais uma expectativa alta perfeitamente cumprida, com o músico Austríaco a mostrar porque é considerado uma lenda viva do panorama musical alternativo Europeu. Incidindo mais nas suas composições mais electrónicas e "dançáveis", são tantos os momentos mágicos que registou em disco ao longo dos anos que seria sempre impossível tocá-los a todos nesta actuação. Mas houve espaço para os clássicos e algumas surpresas, reforçando o papel único que Allerseelen ocupa entre os seus pares.
Os
She Past Away foram também uma boa surpresa, mostrando a todos os que marcaram presença na Igreja da Pena que as sonoridades Góticas de décadas passadas continuam bem vivas e com excelentes músicos para lhes darem continuidade. Com uma sonoridade bastante diferente de tudo o resto que vimos no festival, deram um excelente concerto mostrando que cantar em Turco não é defeito quando se cria música com esta qualidade. Muito boa aposta da Fade In.
Passando ao Palco Alma, mais uma estreia no nosso país. Os
Darkwood são um dos nomes grandes do Neofolk Alemão e mostraram-no porquê neste concerto. O colectivo liderado por Henryk Vogel mostrou de forma imaculada a sua sonoridade acústica, muito incisiva mesmo assim, percorrendo alguns dos melhores momentos da sua longa discografia. Um concerto numa toada mais melancólica e suave, mas repleta da energia que torna os Darkwood uma das referências do estilo.
A nossa eleição do festival terminou com os
The Legendary Pink Dots. Lendários não é apenas uma parte do seu nome, uma vez que são os dos colectivos mais profícuos e influentes da música de toada mais Industrial e Experimentalista. Sendo quase mágico poder ver nomes como Edward Ka-Spel em cima do palco, é preciso estar num determinado estado de espírito para poder apreciar devidamente a sua música. Talvez o Palco Alma não tivesse sido a escolha mais acertada, ou terem uma sonoridade quase nos antípodas da banda que os antecedeu, mas o facto é que parte dessa magia perdeu-se nessa noite e acabamos por não apreciar com a mesma intensidade um concerto que mesmo assim será sempre memorável. Quanto mais não seja pelo seu carácter lendário.
É fácil perceber a conclusão destes três dias: um magnífico festival, com grandes actuações, a possibilidade de reencontrar bons amigos e de colocar a conversa em dia, e acima de tudo viver essa experiência única que é participar do Entremuralhas. Para o ano estaremos certamente de volta, prontos para voltar a felicitar a Fade In pelo magnífico trabalho que tem vindo a desenvolver.
Uma palavra final de agradecimento ao meu amigo Angelo Fernandes pela sua gentileza em permitir o uso das fotos que ilustram este texto, todas da sua autoria. Um grande abraço Angelo!